Provas Públicas de Mestrado

ESAD.CR

Mestrado em Artes Plásticas

Experiência e Desenho

Por: Zelinda Raposo

O presente trabalho pretendeu realizar uma abordagem a partir das imagens criadas desde 2012 até 2015, circunscrevendo-nos apenas aos trabalhos de desenho e pintura por uma questão de coerência. À medida que os trabalhos foram sendo realizados no ateliê, foram lidos os ensaios sobre a imaginação da matéria de Gaston Bachelard, algumas cartas de Cézanne, a Vida das Formas de Henri Focillon, bem como algumas passagens do tratado da pintura de Leonardo da Vinci. Foi também necessário perceber a natureza própria do desenho, e aí as duas principais referências foram John Berger e Philip Rawson, mas estas referências serviram para ir tomando consciência do que era necessário prestar atenção e não para produzir uma abordagem estranha à linguagem muda do desenho e da pintura, portanto não serviram para produzir uma abordagem literária, crítica ou de comentário ao meu próprio trabalho.

À medida que o trabalho se foi desenvolvendo no ateliê, começou a emergir a ideia de que não há desenhos sem experiência, e de que não há experiência sem memória do corpo que desenha. Sem querer, depressa se percebeu que o desenho se relaciona com o olhar para o chão, tal como nos ensinou Walter Benjamim no seu texto intitulado “sobre o sinal e a mancha”. Percebi isso não por um conhecimento profundo desse texto, mas por uma experiência de infância. A minha avó era cega, e eu desde tenra infância ficava sempre encarregue de a guiar nos espaços exteriores e interiores da casa onde habitava. Isso obrigava-me a estar constantemente atenta ao chão, aos seus percalços, declives acentuados e obstáculos, mas sobretudo, talvez para me evadir dessa tarefa, fascinavam-me a presença da terra na sua secura ou moleza, os musgos e os líquenes logo após as primeiras chuvas, todos com cores que não desbotam com o tempo. Depois de uma vida inteira de trabalho, concorri através do concurso M 23, e pude então realizar a licenciatura e mestrado em Artes Plásticas, na qual pude trabalhar essencialmente o desenho, sempre com matérias que oscilavam entre o estado líquido e o sólido próprio da secagem do primeiro estado. apesar de nunca saber muito bem o que iria fazer a cada início de um novo desenho. Descobri o significado do desenho enquanto acontecimento, à medida que a manipulação das tintas se dava sobre um suporte, e o lugar para onde me levavam estava quase sempre próximo da minha experiência de infância.