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“VIAJAR” | Exposição de desenho de viagem de João Catarino e José Josué

Biblioteca da Escola Secundária Domingos Sequeira, Leiria20 de dezembro a 28 de fevereiro de 2022

 

“Viajar” é o título da exposição de desenhos e cadernos de viagem de João Catarino e José Josué. Esta exposição que já circulou por todas as bibliotecas do Politécnico de Leiria, e que agora no âmbito da colaboração com o Plano Nacional das Artes se expõe na Escola Secundária Domingos Sequeira, mostra como se pode descobrir um mundo novo, por vezes à porta de casa, ou mais longe, se aceitarmos o repto de Bertrand Russell de que não vale a pena viajar como turista rico, mas sim como turista pobre. Como turista rico veremos exatamente o mesmo em qualquer parte do mundo, como turista pobre descobriremos as particularidades e singularidades de cada lugar e comunidade.

Viajar implica risco, disponibilidade para o improvável, para o desvio, o encontro, o olhar atento que segue o pequeno arbusto até à paisagem banhada pela luz do sol.

José Josué e João Catarino, pertencem a uma categoria de pessoas, que insistem em viajar pelos lugares e não pelos não-lugares. Pegar nas malas dirigir-se a um aeroporto, sair de uma cidade e aterrar em outra, transforma o espaço percorrido numa abstração sem sentido. Pelo contrário, viajar de bicicleta, ou de transportes públicos, é percorrer integralmente a tessitura espaciotemporal dos lugares e das pessoas que neles habitam.

Antes da divisão dos saberes e formações tomar conta do nosso contexto, e das ciências e tecnologias excluírem as humanidades, e das artes excluírem as ciências, grandes escritores e filósofos eram excelentes desenhadores, lembre-se o caso de Goethe, que de uma investida só, fez mais de 4000 desenhos, publicou o seu livro “Viagem a Itália” e concebeu a sua “teoria das cores”. Lembre-se como Alexander Von Humboldt necessitou do desenho para esquematizar as suas viagens e a sua reflexão escrita. Lembre-se como a revolucionária teoria da “origem das espécies” de Charles Darwin deveu tanto à observação como ao desenho meticuloso de outros naturalistas como os do português Arrua Furtado ou Alfred Wallace.  

Viajar e desenhar é uma forma de conferir sentido e expressão à viagem, dá-lhe um propósito ao mesmo tempo que se entregam os sentidos e o intelecto a uma gama grande de emoções. “(…)existe uma grande diferença entre ver uma coisa sem o lápis na mão e vê-la desenhando-a. Ou melhor, são duas coisas muito diferentes que vemos. Até mesmo o objecto mais familiar aos nossos olhos se torna completamente diferente se procurarmos desenhá-lo: percebemos que o ignorávamos, que nunca o tínhamos visto realmente” diz Paul Valéry em “Degas Dança Desenho”. O desenho de viagem é a prova de que o viajante esteve em tal sítio num determinado tempo, mas é também a prova de que ele quis compreender de forma mais profunda do que o comum dos viajantes, a experiência e os lugares por onde passou, compreender e expressar esse sentido da viagem é o propósito maior destes desenhos, que se realizaram de uma determinada maneira e que, mesmo que um dia retornassem ao mesmo lugar da sua criação, não se repetiriam.  


Samuel Rama

Bibliografia

VALÉRY, Paul “Degas Dança Desenho”, Trad. Chistina Murachco e Célia Euvaldo, São Paulo, Cosac & Naify, 2003, pág. 69.)

 

Sugestões de leitura disponíveis no catálogo das bibliotecas do Politécnico de Leiria:

 

 

PLANOS E RECORDAÇÕES DE VIAGENS

Qual a importância da viagem? Talvez a palavra viagem sugira algumas das diferentes formas de nos deslocarmos para um (qualquer) exterior. Tangível ou não, ultrapassamos um limite exterior (no mundo) e ultrapassamos o seu reverso, um qualquer limite interior (em nós). Estas parecem ser as condições elementares de qualquer viagem. Talvez, e escolhemos ironicamente esta imagem, como no poema Janela de Rilke, numa súbita imagem, observemos a mistura do exterior ao reflexo de si próprio sobre a vidraça, mas, na viagem essa mistura acontece num e em movimento. Qual a importância da viagem para um trabalho? Um critério para responder, e identificar um movimento para um exterior em si e no mundo, seria reconhecer um antes e um depois da viagem, ou, o estar no interior de um movimento. Esse “antes e depois” ou esse “movimento” pode manifestar-se nas condições, nos processos de trabalho e também no interior do próprio trabalho. Enumeramos, de memória, algumas dessas muitas viagens, destacando que esse exterior pode ser dado por objetos, por pessoas ou ideias, ou lugares.

O primeiro movimento, a iniciação à arte, acontece frequentemente através do encontro com um objeto artístico, que nos põe em movimento. Degas, e outros, sublinharam-no: o desejo de pintar é agido pelo encontro com uma pintura, não tanto pelo encontro com o referente ou com o pintor. Esses movimentos surgem também como resultado da forte circulação de objetos, tais como as máscaras africanas que marcaram Picasso, ou ainda com a circulação das imagens que trouxeram o desenho e a composição do Japão até Van Gogh em Paris. Também os objetos da prática da arte orientam e incitam a viagens. Alguns procurando multiplicar os modos de relação com o mundo na relação com esses objetos, outros, como David Hockney, encontrando-os numa mesma e única viagem: procurar ver melhor e procurar restituir melhor o que se vê. O movimento surge também com pessoas. Assim, El Greco viajando e procurando uma escola e educadores no seu período de formação como artista, ou Gauguin procurando outras pessoas num espaço exterior às escolas, e também aos modelos ocidentais. O movimento também é incitado por ideias. Incluamos nesta classe o modo como a obra de Freud, lida ou não por muitos surrealistas, abriu uma outra perceção do mundo e de si; ou ainda nas recomendações permanentes de William Burroughs para aceitar a viagem, deixando o missal de lado quando se chega à desconhecida terra lunar.

Na realidade, todas estas metáforas e imagens da viagem revelam aspetos diferentes da viagem, mas não substituem a viagem viva, irredutível na sua realidade. Talvez possamos procurar um modelo para compreender esta última versão da viagem. Não o encontramos tanto na “literatura de viagem” ou nos actuais “urban sketchers”, com a sua ligação entre práticas do desenho e procedimentos da antropologia, mas numa experiência remota: a saída dos pintores dos seus estúdios e ateliers para o exterior, para a “pintura de exterior”. É um tipo de viagem em que a relação com o exterior é possível a partir de uma mudança de dentro, de dentro do pintar. Claro, que essa mudança ocorre diferentemente em diferentes camadas, e, com diferentes interações com esse exterior.

Mas, neste caso, existe todo um movimento (interior) para reconhecer e acolher esse exterior: mudam os objetos da pintura, claro, mas, a atenção e a perceção do pintor também muda, os seus modos de fazer mudam necessariamente, muitos materiais e instrumentos mudam também…por fim, e consequentemente mudam os trabalhos. Este tipo de viagem só é possível quando existem ligações extremamente entretecidas entre a construção sensível (a estética e a noética), os modos de fazer (as práticas) e as subjetividades (os modos de ser artista). Entre muitos acontecimentos que acompanham estas viagens, emerge nelas uma nova ideia-prática, um outro modo de fazer mundo na arte e com a arte.

Fernando Poeiras e Júlio Silva

 

 

 

Exposição na Escola Secundária Domingos Sequeira, Leiria

 

NOTAS BIOGRÁFICAS

JOÃO CATARINO nasceu em Lisboa, em 1965. É Licenciado em Design de Comunicação pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa (Fbaul). Frequenta o Curso de Desenho no (Ar.co) Centro de Arte & Comunicação Visual e o Curso de Cinema de Animação no (CITEN), Centro de Interpretação e Técnicas de Expressão Narrativa na Fundação Calouste Gulbenkian. Trabalha sobretudo em ilustração, em diversos jornais, revistas e canais de televisão. Colabora regularmente no Jornal público onde durante alguns anos ilustrou as crónicas de Lisboa e semana ilustrada.

Foi monitor dos Cursos Livres de Ilustração, na Fundação Calouste Gulbenkian e na (Fbaul) Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. É Professor de desenho no (Ar.Co) em Lisboa, professor de Design e IIustração na Escola Superior de Arte e Design – Caldas da Rainha (ESAD.CR) e Professor Assistente Convidado de Desenho e Ilustração na (Fbaul).

Tem sido representado em diversos livros nacionais e internacionais sobre “cadernos de viagem” e “sketching books” e realizado exposições e apresentações sobre seu trabalho em cadernos de viagem em escolas, instituições e galerias. Foi formador em diversos simpósios internacionais dos “Urban Sketchers”. É autor do livro “EN2” e co-autor dos livros “Diário de Viagem em Lisboa” e “Tanto Mar”.

Alguma parte do seu trabalho pode ser visualizado nos blogs http://desenhosdodia.blogspot.com e http://surfgraphics.blogspot.com.

 

JOSÉ JOSUÉ nasceu em Lisboa, em 1977. Licenciou-se em Artes Plásticas na ESAD.CR (Caldas da Rainha) e frequentou o mestrado em Educação – Artes Visuais FBAUL (Lisboa).

A sua prática artística incide principalmente na área do desenho, particularmente nos desenhos de viagem mas também na ilustração. Neste âmbito, participou em projetos: Névoa Azul x Nomad, Edições Manifesto, Ilustração Voadora, Lisboa e Barcelona, Calendário edições Artefacto.

Também participou em exposições: Reverso, Sociedade Guilherme Cossoul, Ler lá fora, Ler Devagar, Olhei para o céu e nada vi, Plataforma Revólver, Natureza Morta, Galeria Sete. É professor no Colégio Pedro Arrupe, Lisboa.

Portefólio: https://www.behance.net/josejosue blog: http://desenhosebicicleta.blogspot.pt/

 

 

FICHA TÉCNICA:

Curadoria
Samuel Rama

Programação
Samuel Rama
Dulce Correia
Natália Caseiro

Produção
Bibliotecas do Politécnico de Leiria
Sónia Gonçalves
Vera Miguel

Design Gráfico
Francisco Moreira

Comunicação
Francisco Moreira
Liliana Gonçalves

Agradecimentos
Escola Secundária Domingos Sequeira
Fernando Poeiras
Júlio Silva